21 de maio de 2013

a arte de encarar gigantes

telhados

Algumas pessoas não entendem minha relação de amor e ódio com a cidade onde vivo.
Bem, confesso existir mais “ódio” que “amor” da minha parte, mas eu mesmo ainda tento entender como isso tudo se processa. Até já ensaiei o que falar sobre ela aqui (e aqui ousei falar de outra que não me pertencia), mas era um momento diferente e, por isso, sensações, sentimentos e sensibilidades diferentes.
estrada
Entenda: moro numa cidade de 3,5 milhões de habitantes. Ela é fronteiriça! É a reunião de qualidades e problemas de um mundo pitoresco e provinciano com as qualidades e problemas de uma moderna megalópole de concreto. É afinal, uma metrópole comum, como outras tantas que conheci. O problema é que nunca escolhi ficar aqui e, daí, nasceram todos os nossos problemas de relacionamento.
enseada
Certa vez, passei uma temporada em uma cidade há mais de 4 mil km da minha e que não tinha nem 200 mil habitantes. Era uma cidade calma, dessas que não tem serviço de internet decente ou que o programa de domingo era ir para a maior (na verdade, única) loja de departamentos da cidade ou pro micro-shopping que sequer carecia ter um elevador. Nessa cidade provincianamente bucólica, com sua alameda principal tomada por pessoas com garrafas térmicas na mão, passou pela minha cabeça me aposentar pela primeira vez. É eu sei, não faz muito sentido, mas foi lá que, não só pensei, como verbalizei pela primeira vez a frase “quero morar aqui quando me aposentar!”. Provavelmente, se eu fizer isso vou sofrer bastante já que velhos e cidades muito frias não combinam muito, mas é apenas um plano e planos foram feitos para serem desfeitos.
boulevard
No fim das contas, voltei pra cá e aqui fiquei. Cogitei sair várias vezes usando estudo, emprego ou qualquer coisa moralmente aceita como desculpa. Fracassei em todas as tentativas. Mas eu não desistia e a cada novo fracasso, meu “ódio” (aquele da balança de sentimentos) aumentava. Eu simplesmente não admitia que uma cidade tão provincial pudesse me conter. Eu era maior que ela e precisava desse espaço. A cada visita à São Paulo, era descer do avião e sentir que a roupa não apertava mais, que o ar denso e pesado da maior metrópole do país não me incomodava, que eu simplesmente cabia ali e ela me aceitaria, me acolheria e sussurraria (por entre os ruídos hipnóticos do centro) que eu tinha achado meu lugar. Acabei nunca morando em São Paulo.
Contudo, algo mudou!
angelical
As cidades continuam gigantescas, engolindo vidas e diluindo almas em rotinas estressantes. Aliás, elas não param de crescer. Mas algo mudou, pelo menos em mim. De algum modo, o desajustado morreu. O cara que sempre sentiu que não se enquadrava em uma cidade provinciana/metropolitana ficou pelo caminho, talvez na última ida à Brasília. No fundo, a cortina caiu e a página virou: achava que a cidade parecia não se ajustar à minha vida, mas era minha vida que não se enquadrava nesse lugar. E a vida mudou!
No fim das contas, tudo diz respeito sobre como lidamos com esses gigantes metamorfoseados, esse imenso organismo vivo com esgotos nas veias e algum colorido perdido que faz nossos olhos brilharem, sem que notemos. Alguns desses gigantes assustam e cada um de nós traz consigo uma escolha. Em alguns momentos nos escondemos, temendo a força que faz esse colosso de concreto, asfalto e ruídos funcionar. Em outros, olhamos nos olhos desse gigantesco selvagem (ainda que com uma fina manta de civilização) e enxergamos a nós mesmos. Depende muito menos de como você olha e experiencia a cidade e muito mais de como você se percebe enquanto sujeito que transpassa espaços múltiplos, mas que busca continuar sendo, em essência, o mesmo.

casa

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"These ol' white lines on the highway 
Lord its all I know 
Seems like I've been out all my life 
But I just can't let it go"
Lynyrd Skynyrd - All I have is a song



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Essas e outras fotos estão aqui!

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da série "estado crônico"



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